sexta-feira, 18 de junho de 2010

O Homem desaparece, a obra permanece


O HOMEM DESAPARECE, A OBRA PERMANECE...

"São onze os supliciados. A queima já vai adiantada, os rostos mal se distinguem. Naquele extremo arde um homem a quem falta a mão esquerda. Talvez por ter a barba enegrecida, prodígio cosmético da fuligem, parece mais novo. Então Blimunda disse, Vem. Desprendeu-se a vontade de Baltasar Sete-Sóis, mas não subiu para as estrelas, se à terra pertencia e a Blimunda."
in Memorial do Convento, José Saramago


"O Adamastor não se voltou para ver, parecia-lhe que desta vez ia ser capaz de dar o grande grito. Aqui, onde o mar se acabou e aterra espera."

in O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago

" A morte voltou para a cama, abraçou-se ao homem e, sem compreender o que lhe estava a suceder, ela que nunca dormia, sentiu que o sono lhe fazia descair suavemente as pálpebras. No dia seguinte ninguém morreu."
in As Intermitências da Morte, José Saramago



sábado, 16 de janeiro de 2010

Cegueira ou visão momentânea?




Há livros assim; mesmo depois de os lermos não conseguimos deixar de pensar neles. Li o "Ensaio sobre a cegueira" , pela primeira vez há dez anos atrás e voltei a lê-lo no ano passado. Nesta semana lembrei-me inúmeras vezes deste livro, que na minha opinião, é uma das obras "maiores" da literatura portuguesa e sem dúvida a obra que despertou em mim uma admiração pela obra de José Saramago.
A sua história inicia-se com um motorista que subitamente fica cego enquanto está parado num sinal vermelho, mas ao contrário do que se poderia esperar, esta é uma cegueira branca que se alastra, contaminando as pessoas que mantiveram contacto com o cego, desde a sua mulher, passando pelo seu médico e pacientes, como se fosse um círculo vicioso, que culmina numa epidemia misteriosa. Perante este cenário, todos os cegos são trancados em locais abandonados, sob o jugo dos que ainda conseguem ver. Apesar de mais tarde esta epidemia acabar por atingir toda a população, há uma pessoa que continua a ver, registando assim todo o horror e caos que proliferam por toda a sociedade, porque o mundo foi concebido para quem vê. É a partir deste momento que o romance começa a ser cada vez mais terrível, brutal, violento e infernal. As descrições do autor são de tal forma realistas, que será difícil para nós, leitores, nos livrarmos da visão e do cheiro de tanta miséria. Há uma constante luta pela sobrevivência, mesmo que para isso seja necessário, agredir, violar e matar.
Numa entrevista que li, o Nobel português revelou que escrever este livro foi uma das experiências mais dolorosas da sua vida, e que pretende que o leitor sofra tanto quanto ele sofreu ao escrevê-lo. Se pensarmos um pouco na actualidade, este livro nada mais é do que uma metáfora do nosso mundo, daquilo que as pessoas são capazes de fazer para sobreviverem em situações de catástrofe.
Todos vimos esta semana as sucessivas imagens que passaram na televisão do terramoto no Haiti, é estranho pensar que este livro, apesar de ter sido escrito em 1995, acaba por "prever" o que aconteceu neste país tão pobre, assim como num dos mais ricos do mundo, quando em 2005 o Katrina devastou a cidade de Nova Orleães.
Este Livro faz-me pensar, questionar, analisar, como se toda a história fosse uma única interrogação sobre o mundo e como este deveria ser.



PS. Os mais preguiçosos poderão ver o filme, está muito bem adaptado, mesmo assim não capta nem metade da essência do livro.



terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Criar um elo com a Natureza



O que mais me agradou no filme "Avatar" não foram as imagens em 3D, ou os efeitos especiais e a tecnologia utilizada na produção deste filme. O que mais me agradou foi a forma como os nativos daquele planeta se relacionam com a Natureza, como a respeitam e como respeitam todos os seres vivos que fazem parte dela. Lamento que "no nosso planeta" isso não aconteça. A cada dia que passa o nosso Lar fica mais destruído, mais doente e ninguém parece se importar verdadeiramente com isso. É claro que todos concordamos que todos os países têm que tomar medidas para que daqui a dez, vinte ou trinta anos ainda tenhamos o nosso planeta. No entanto, verificamos que nas cimeiras ninguém "quer ficar a perder" (apesar de já estarmos todos a perder, e muito!) e o mesmo se verifica nos nossos comportamentos diários: continuamos a preferir levar o carro, em vez de utilizarmos transportes públicos, continuamos a não separar o lixo, continuamos a ver as matas a arderam no Verão, continuamos a ver o lixo espalhado pelas florestas, nas águas do mar e dos rios, continuamos a desperdiçar água potável e continuamos a desrespeitar cada vez mais os animais.
O problema do Homem é pensar que é dono do planeta, todavia este planeta é tão nosso como de um cão, um elefante ou um pássaro. É muita presunção da nossa parte pensarmos que "Isto" foi feito para nós.


quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Um desejo de Natal



24 de Dezembro, véspera de Natal. Não se preocupem porque não vou fazer nenhum discurso sobre a solidariedade humana. O meu grande desejo para este Natal e para todo o ano é que haja mais TOLERÂNCIA entre os homens.

Um Feliz Natal!

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Um dia ( II parte)



Desperto do passado e abro os olhos para o presente.
Continuo a olhar pela janela e reparo que, embora a paisagem seja a mesma de há doze anos, hoje consigo ver coisas que nunca tinha visto antes. Vejo um cenário feliz, com figurantes felizes e protagonistas tristes. Vejo um velho deitado num banco de jardim, vejo um arrumador de carros ao fundo da rua e vejo uma criança suja a tentar vender pensos rápidos a quem passa. Durante o ano são meros figurantes que vivem à margem de uma sociedade egoísta. Porém, em Dezembro, toda a gente fica solidária e os quer ajudar, apesar de o velho continuar a dormir ao relento num desconfortável, mísero e desumano banco de jardim, do arrumador de carros continuar a tentar arranjar uns trocos para mais uma dose de heroína e da criança suja continuar a vender penso rápidos para não apanhar uma tareia de uns pais alcoólicos, quando chegar a "casa".
Deixei de acreditar no Natal, porque não passa de uma ilusão. A festa do nascimento de Cristo foi substituída pela festa da troca de presentes. Será que os pais ainda contam aos filhos a história de José, Maria e do Anjo que anunciou que esta daria à luz o filho de Deus? Será que sabem que o Menino nasceu numa cidade chamada Belém e que uma linda estrela guiou três reis até Ele? Provavelmente sabem, mas será que isso tem algum significado para eles? É então que neste conflito interior, decido fazer algo para dar algum significado ao meu Natal. Saio de casa apressadamente, sem um plano definido. Na rua há uma harmoniosa mistura de sons, cores, cheiros, tão característicos desta época.
Vou caminhando... caminhando... caminhando... até que encontro o velho do banco do jardim. Aproximo-me e digo-lhe "Bom dia!". Não me responde. Talvez por estar habituado a ser ignorado não sente a minha presença. Pergunto-lhe porque dorme naquele banco de jardim. Encolhe os ombros e não me responde. Olho-o nos olhos. Como são lindos! Olhos cor de mar... uma cor indefinida, assim como a sua idade. Quantas histórias, aventuras e desventuras deverão esconder as suas rugas? Pede-me para fechar os olhos e que imagine uma pequena aldeia escura, do interior, com casas de granito e ruas estreitas de terra batida. Lá tinha nascido um menino, numa família de origem humilde. Viviam, como quase todas as famílias daquela época, com grandes dificuldades e cedo o menino teve que abandonar a escola para ajudar os pais e os seus irmãos. No entanto, apesar das grandes dificuldades, afirma ter saudades desses tempos, principalmente da maneira como viviam o Natal, recordações que o tempo não conseguiu apagar-lhe da memória.
Apesar de ser oriundo de uma família modesta, neste dia nunca faltava um bom bacalhau que o merceeiro ia buscar com um mês de antecedência à cidade, uma variedade de hortaliças, que cultivavam no pequenos quintal e as rabanadas com bastante açúcar e canela. Ainda não havia o hábito de se fazer a árvore de Natal. Em vez dela, existia um pequeno presépio de figuras de barro já gastas pelo tempo. Quando soavam as doze badaladas no sino da igreja, todos os aldeões saíam de suas casas e iam à missa do galo, reunindo-se no fim no largo da igreja a cantar, a beber vinho fino e a comer doces. Ao raiar do dia, quando o menino e os seus irmão acordavam, encontravam dentro dos seus socos dois tostões e um chocolatinho pequenino embrulhado num reluzente papel de prata. "Pode parecer pouco", diz o velho, " Mas para o mim era o melhor do mundo!" Ficava todo o ano à espera do Natal... Certo dia, o menino cresceu, abandonou a pequena aldeia escura e foi para o litoral trabalhar numas minas de carvão. A partir daí nunca mais sentiu o Natal.
Fiquei comovida com a história do velho do banco do jardim. Olhei-o com admiração. A escola da vida fez dele um sábio e as suas rugas não são as marcas do tempo, mas sim do conhecimento. Pergunto-lhe pela família, diz-me que depois da morte da esposa, sentiu-se desamparado e solitário e saiu de casa sem avisar o filho. Nunca mais regressara. Vagueava, perdido pelas ruas, esperando que o frio abraço da morte o levasse para junto da mulher que amava.
Uma lágrima solitária percorre-lhe o rosto. Digo-lhe que se ainda não sentiu o abraço da morte é porque ainda tem alguém que precisa muito dele. Depois de muito insistir, consigo convencê-lo, finalmente, a procurar o filho.
Caminhamos com calma, pelas ruas agitadas, em direcção à casa do filho do velho do banco de jardim. Chegamos ao nosso destino. Toco à campainha e atende-me um homem alto, magro, moreno, com olhos cor de mar. Concluí que fosse o filho do velho que, ao ver o pai, ficou completamente paralisado e, num daqueles momentos inexplicáveis, dão um forte abraço. Não dizem nada. Palavras para quê se os gestos falam por si. Choram e riem como duas crianças. Minutos depois, chegam os netos e a nora, juntando-se ao abraço. Vou-me embora, retendo na memória uma das cenas mais lindas que jamais presenciei. Depois do vi, começo a acreditar na magia do Natal.
Faço o caminho de volta para casa com o espírito leve. Lembro-me então do arrumador de carros e das criança suja. Procuro por eles, mas não os encontro em lugar algum. No entanto, não fico triste, porque sinto que alguém os ajudou.
Volto para casa. Infelizmente, já não posso ir ajudar a minha avó a preparar os doces, mas vou prepará-los com a mesma emoção e alegria de quando era criança, pois voltei a acreditar no Natal e ele faz-me acreditar que todos os sonhos são possíveis. Basta acreditar neles.
Anoiteceu. A alegria espalha-se por toda a casa. Vou à janela, o céu está repleto de estrelas e, subitamente, uma destaca-se das outras, a sua beleza e o seu brilho são tão grandes que ofusca todas as outras. Olho para a estrela e vejo um mundo sem guerra, sem fome, sem injustiças e repleto de harmonia e felicidade... sinto aquela estrela a invadir-me a alma de paz e vejo que faz o mesmo com o mundo.

Girassol, (TSMS), 2001

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Um dia ( I parte)



Trim… trim… trim… Acordo assustada com o despertador, levanto-me, ainda com uma certa dificuldade provocada pelo sono e em passos lentos e pesados dirijo-me para a janela. Observo um dia cinzento, frio, chuvoso. Contudo, apesar de ser ainda muito cedo, a rua está repleta de pessoas muito atarefadas, carregadas de sacos e embrulhos nas mãos e, ao contrário dos outros dias, não parecem estar incomodadas com o frio ou com a chuva. Todas elas transportam um agradável e leve sorriso nos lábios; é véspera de Natal. Foi então que abri a janela e ao sabor de um vento fresco, húmido e suave, comecei uma curta viajem no tempo recordando o Natal da minha infância.
Lembro-me da enorme árvore de Natal enfeitada com anjos, estrelas, luzes e bolas, do bebé que só era colocado no presépio no dia vinte e cinco, da lareira sempre acesa proporcionando um agradável calor, contrastando com o frio que vinha das ruas iluminadas, do cheirinho a pão-de-ló e a bolo-rei que saía das pastelarias e que enchia a barriga de quem passava perto delas, hummm… lembro-me de como acordava alegre e ansiosa por ajudar a minha avó a preparar as rabanadas, os bolinhos de abóbora, as filhoses, aletria, o leite-creme e de como me lambozava com uma deliciosa mousse de chocolate. Iam-se procurar as maiores panelas e travessas, a mesa era posta com a loiça de porcelana, os copos de cristal e decorada com a toalha mais bonita e um grande arranjo de azevinho e velas feito pela minha mãe. Depois, enquanto dia ia morrendo e a noite nascendo, começavam a chegar as pessoas, uma a uma, com uma rapidez impacientemente lenta, trazendo com elas alguns doces, espumantes, vinho do Porto e presentes.
Como tudo me parecia perfeito! Todos pareciam estar felizes, sentavam-se em redor da grande mesa da sala de jantar e o humilde bacalhau transformava-se milagrosamente no melhor jantar do mundo! No ar, sobrevoava um agradável e inconfundível cheiro a frutos secos. Ainda hoje, continuo a sentir esse aprazível aroma.
A noite demorava uma eternidade a passar. Recordo-me que eu, o meu irmão e os meus primos, esperávamos alegremente pela meia-noite, altura em que supostamente o Menino Jesus, com a preciosa ajuda do Pai Natal, traria presentes para aqueles que menos travessuras tinham feito ao longo do ano. Nunca acreditei no Pai Natal e tinha consciência que o Menino há muito tinha crescido. Todavia, fingia acreditar. Talvez para aproveitar aquele momento mágico em toda a sua plenitude. Todos os anos acontecia religiosamente a mesma coisa: o grande relógio do corredor anunciava pomposamente as doze badaladas e, simultaneamente, alguém tocava a campainha da porta. Enquanto corríamos euforicamente para a porta da rua, alguém punha os presentes junto da árvore. Quando fecho os olhos ainda consigo ouvir os risos ao rasgar energicamente os papéis coloridos dos presentes que, como por encanto, tinham aparecido ali…

Girassol (TSMS) 2001

Amanhã há mais!

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Ele chegou!


Dezembro aproxima-se a passos largos e com ele vêm as ruas iluminadas, as casas decoradas, músicas da época, e toda aquela loucura que tanto tem caracterizado o Natal ultimamente. Por este motivo cada vez mais se ouvem vozes a criticar tão ferozmente esta época do ano. Não lhes tiro a razão. Por vezes o Natal também me irrita. Tanta boa vontade, tanta solidariedade de circunstância, tanta ternura no ar... acompanhada sempre por uma boa dose de falsidade e hipocrisia. Sei disso tudo. No entanto, não deixo de sentir um carinho especial por esta época. Pelo menos há uma altura do ano em que tudo parece ser mágico, pelo menos há uma altura do ano em que nos lembramos do nosso próximo, pelo menos há uma altura do ano em que o mundo, tão imperfeito e cruel, fica um pouco mais perfeito, nem que seja apenas nos nossos corações.
Todos os anos digo sempre a mesma coisa: "este ano não quero saber da árvore, nem do presépio, nem de nada...". No entanto, quando vou à despensa estas coisas começam a sorrir para mim... Pelo menos uma vez por ano volto a ser criança.

P.S. Nos próximos dias vou-vos deixar um pequeno conto de Natal escrito por mim há alguns anos.


domingo, 15 de novembro de 2009

Horizonte



















Olho incansavelmente o brilho azul do mar.
O horizonte, infinitamente longínquo,
Com a minha mão tento alcançar.

Olho incansavelmente o brilho azul do mar.
Procuro continuamente o sonho que me sepultou
Nesta praia de areia negra e pura,
Onde caminho de alma perdida e nua...

Olho incansavelmente o brilho azul do mar.
Desejo no horizonte encontrar
O brilho extasiado dos teus olhos
Que as cruéis ondas, para longe, insistem arrastar.

Sozinha, caminho pela praia deserta.
Olho tristemente o brilho azul do mar,
Procuro outros olhos,
Procuro outro brilho,
Procuro Alguém para amar...

Girassol (T.S.M.S.)
Junho de 2006


segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Noite



Noite, minha eterna confidente
Envolve-me na tua escuridão
Ofusca a minha alma doente
Liberta-me desta terrível solidão.

Liberta-me desta dor interminável
Desta sede de justiça insaciável
Deste sonho que tanto me atormenta
Deste corpo imundo que já não sente.

Partilhamos o mesmo destino;
Desejamos a luz que um Sol nos tirou,
Procuramos a alegria que alguém nos roubou.

Por fim, encontramos a morte que nos libertou
Do terrível silêncio assustador
Que durante tanto tempo nos aprisionou.

Girassol, 2003


terça-feira, 20 de outubro de 2009

Lua Adversa



Tenho fases, como a lua.
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha.

(...)

Fases que vão e que vêm
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

(...)

Cecília Meireles