sábado, 16 de janeiro de 2010

Cegueira ou visão momentânea?




Há livros assim; mesmo depois de os lermos não conseguimos deixar de pensar neles. Li o "Ensaio sobre a cegueira" , pela primeira vez há dez anos atrás e voltei a lê-lo no ano passado. Nesta semana lembrei-me inúmeras vezes deste livro, que na minha opinião, é uma das obras "maiores" da literatura portuguesa e sem dúvida a obra que despertou em mim uma admiração pela obra de José Saramago.
A sua história inicia-se com um motorista que subitamente fica cego enquanto está parado num sinal vermelho, mas ao contrário do que se poderia esperar, esta é uma cegueira branca que se alastra, contaminando as pessoas que mantiveram contacto com o cego, desde a sua mulher, passando pelo seu médico e pacientes, como se fosse um círculo vicioso, que culmina numa epidemia misteriosa. Perante este cenário, todos os cegos são trancados em locais abandonados, sob o jugo dos que ainda conseguem ver. Apesar de mais tarde esta epidemia acabar por atingir toda a população, há uma pessoa que continua a ver, registando assim todo o horror e caos que proliferam por toda a sociedade, porque o mundo foi concebido para quem vê. É a partir deste momento que o romance começa a ser cada vez mais terrível, brutal, violento e infernal. As descrições do autor são de tal forma realistas, que será difícil para nós, leitores, nos livrarmos da visão e do cheiro de tanta miséria. Há uma constante luta pela sobrevivência, mesmo que para isso seja necessário, agredir, violar e matar.
Numa entrevista que li, o Nobel português revelou que escrever este livro foi uma das experiências mais dolorosas da sua vida, e que pretende que o leitor sofra tanto quanto ele sofreu ao escrevê-lo. Se pensarmos um pouco na actualidade, este livro nada mais é do que uma metáfora do nosso mundo, daquilo que as pessoas são capazes de fazer para sobreviverem em situações de catástrofe.
Todos vimos esta semana as sucessivas imagens que passaram na televisão do terramoto no Haiti, é estranho pensar que este livro, apesar de ter sido escrito em 1995, acaba por "prever" o que aconteceu neste país tão pobre, assim como num dos mais ricos do mundo, quando em 2005 o Katrina devastou a cidade de Nova Orleães.
Este Livro faz-me pensar, questionar, analisar, como se toda a história fosse uma única interrogação sobre o mundo e como este deveria ser.



PS. Os mais preguiçosos poderão ver o filme, está muito bem adaptado, mesmo assim não capta nem metade da essência do livro.



1 comentário:

  1. Concordo plenamente contigo relativamente à obra do Saramago. Quanto à actualidade do livro, infelizmente, já há dez anos ela existia e irá continuar a existir...
    Não posso deixar de te dar os parabéns ainda pelo teu excelente texto e argumentação...
    beijinhos

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